De que maneira um dos grupos de heróis mais conhecidos da atualidade consegue reverberar debates fundamentais para a inclusão desde a sua criação.
O entretenimento é um importante vetor para reverberar discursos fundamentais no que se refere à valores e acima de tudo, política. Sempre foi assim, na medida em que as manifestações humanas, nos diversos meios de comunicação, revelam a dimensão simbólica dos debates travados e dos dilemas enfrentados em determinado tempo.
Os X-Men, da Marvel Comics, criados em 1963 por Stan Lee e Jack Kirby, são um grupo de adolescentes e adultos de variadas origens, dotados de uma mutação que os posicionam como uma evolução da humanidade, visto que a partir disso, nascem dotados de poderes e habilidades extraordinárias.
Estes personagens seguem na esteira tradicional de outros sucessos da "casa da idéias": a construção de personagens extremamente humanizados, com dilemas e dificuldades que geram conexão imediata com o leitor, além de fraquezas e medos completamente humanos.
Por trás das aventuras dos heróis, é possível observar de forma cristalina os debates sobre aceitação e inclusão, juntamente com os obstáculos impostos pelo medo e o ódio ao diferente.
Os pilares das histórias, em regra, são os antagonistas Professor Xavier e Magneto. O primeiro, pacifista e líder dos X-Men, de veia pragmática e diplomática, acredita que os mutantes serão aceitos através da informação, debate público e constante demonstração da disposição mutante em ajudar e proteger a humanidade. O segundo, por sua vez, é um sobrevivente do holocausto judeu promovido pelos nazistas, é líder da Irmandade dos Mutantes e defende a dominação mutante como única maneira de sobrevivência, visto que os humanos, guiados pelo medo, nunca os aceitariam.
As diferenças nas ideias e atitudes quanto à maneira de integração dos mutantes é usualmente feita com certa ausência de maniqueísmo, visto que com o tempo, foi possível se construir diversas camadas nas motivações dos personagens, que inclusive os fizeram ser comparados à Malcom X (Magneto) e Martin Luther King (Professor Xavier).
As revistas dos X-Men constantemente patrocinam debates quanto à comunidade LGBTQIA+, latinos, negros, mulheres, pessoas com deficiência, governos autoritários e pulsões de eugenia/extermínio. Todos esses são temas que sempre estiveram, em conjunto ou isoladamente, em alguma aventura dos heróis mutantes, tanto na perspectiva macro, enquanto sociedade, quanto na visão micro, a partir da relação entre familiares e amigos diante da aceitação da não-normatividade.
Nesse sentido, também não se furta de desenvolver elementos fundamentais num contexto de que todos esses temas são vividos por adolescentes e jovens adultos, num ambiente escolar, o Instituto Xavier para Estudos Avançados, e que portanto, se entrelaçam com as dificuldades inerentes ao crescimento e a compreensão de si mesmo diante a solidão inspirada pela condição de isolamento que se vive.
Uma história emblemática é a que, diante de um pânico geral em relação aos mutantes, o governo impulsiona a construção de robôs, chamados de Sentinelas, que seriam capazes de identificar e exterminar os mutantes, taxados como ameaça à humanidade. Este sentimento anti-mutante é retratado no quadrinho "Dias de um Futuro Esquecido", e revela a centralidade de elementos como a propaganda de desinformação, a disseminação do ódio em espaços públicos e a construção do preconceito a partir do medo, culminando na criação de campos de concentração mutantes e a institucionalização da necropolítica.
Portanto, não restam dúvidas para destacar a relevância destes personagens na promoção da percepção das dificuldades cotidianas nos solavancos encontrados na luta pela ampliação e efetivação dos Direitos Humanos em todos espaços de sociabilidade. Não é incomum ver passagens do Professor Xavier discursando na ONU e em contato com membros do governo, por exemplo, sem se furtar da educação dos jovens quanto à necessidade de sua aceitação e responsabilidade social.
Os mutantes são fundamentais por abarcarem todas as minorias que além de não serem contempladas pela permissão de desenvolvimento de uma cidadania plena, também são vítimas de campanhas de perseguição e ódio. Por isso, os X-men não são apenas heróis de almanaque, mas revelam a dimensão reflexiva constante na arte do entretenimento, de potencialidade enorme para o reforço de uma noção de uma consciência de Direitos Humanos (ou mutantes), que devem ser fruídos por todos, sem abrir mão da luta e do altruísmo que estas histórias naturalmente inspiram através da identificação e da humanidade que pulsam nelas.
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Luiz Eduardo de Sousa Ferreira é membro do GPPEC/UNIFACS-CNPq, mestrando em Direito, Governança e Políticas Públicas pela UNIFACS e pós-graduando em Filosofia e Teoria Geral do Estado pela FADISP/UNIALFA.
A semiotizaçãp lúdica dos discursos, que interessante 🤗