O livro "A valsa brasileira: Do boom ao caos econômico" da economista Laura Carvalho é um preciso relato das turbulências vividas pelo Estado brasileiro na última década. Partindo do estabelecimento do "milagrinho econômico" vivido pelo país entre os anos de 2003-2010, do impulso pelas mudanças na política econômica no que se refere ao aumento do investimento público e pela favorável conjutura internacional, a economista elenca os pilares fundamentais de um Estado que se mostrou efetivo na conciliação de classes através de uma lógica de ganha-ganha e no combate às desigualdades sociais através de políticas públicas precisas, principalmente no que se refere à renda, crédito, habitação e energia.
Porém, as turbulências vividas nos últimos 10 anos impuseram um doloroso capítulo no sonho brasileiro. Diante de uma mudança no contexto internacional, juntamente com escolhas equivocadas na política econômica, aliado a ambiente político que impôs um conflito de interesses entre classes, tornou-se inviável a manutenção do ganha-ganha, e o caos econômico se manifestou levando otimismo em relação ao país pelo ralo.
Neste cenário, contudo, não foram os dados e teorias econômicas em si que chamaram minha atenção a ponto de escrever esta contribuição para o grupo. Me saltou aos olhos que, no ponto de inflexão político-institucional-econômico que o país vivia, todo aparato discursivo e técnico voltou-se contra a lógica do pacto social que conduziu à promulgação da Constituição Federal de 1988.
"A Constituição não cabe no orçamento" é uma célebre frase que foi repetida à exaustão e demonstra as prioridades de uma nova governança que rejeita o papel do Estado enquanto promotor do combate às desigualdades e como motor do desenvolvimento.
Percebe-se que não se trata de falar de erros e acertos dos projetos de governo, apenas. Mas sim, das escolhas realizadas quanto ao projeto de Estado que se propõe efetivar. No meio de tudo isso, ficam escanteados o respeito aos mandamentos constitucionais (que não são meras recomendações, mas detém vinculatividade) e aos Direitos Humanos, deixando a estes a condição de elementos não-prioritários e tornando-os os principais objetos de cortes de recursos e contingenciamentos, como foi o caso da saúde, educação, renda e habitação.
A história mostrou mais uma vez que nos momentos de tensão, o lado mais fraco da corda se rompe, o que impõe diversos desafios para um país periférico que tem sua trajetória política permeada de turbulências.
Por isso, é fundamental (e não apenas, destaca-se), além do fortalecimento institucional, o constante engajamento na defesa da força normativa da Constituição, e acima de tudo do modelo de Estado de bem-estar social que ela consagrou, promovendo assim um aprendizado histórico que possibilite a construção de tempos melhores na seara de proteção aos Direitos Humanos.
Laura Carvalho é certeira em reiterar que não são apenas os institutos que permeiam o debate jurídico que garantem o longo termo da consolidação de direitos, mas a voz ativa e a participação destes pilares na tomada de decisão política. O significado demanda o significante, de modo que nessa "valsa brasileira", é preciso a afinação entre os que tocam a musíca e os que dançam.
Link do livro:
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Luiz Eduardo de Sousa Ferreira é membro do GPPEC/UNIFACS-CNPq, mestrando em Direito, Governança e Políticas Públicas pela UNIFACS e pós-graduando em Filosofia e Teoria Geral do Estado pela FADISP/UNIALFA.
Muito bom! É realmente possível que haja afinação harmônica, boa para ambos os lados?